Roland Hohberg
Azagaia e os Elefantes com riscas de Zebra
E se eu te dissesse
Que há elefantes com riscas de zebra....

1990
Quando cheguei a Moçambique
Ninguém cantava: "Povo no Poder!"
O povo só cantava: "Queremos Paz!"
Os que afirmavam defender a democracia
Ainda "ganharam corações"
Ao cortar orelhas e recrutar crianças.
Nos campos de refugiados percebi que
Quando esta guerra chega ao fim
Não haverá vencedores
Apenas derrotados.
Quando pisei pela primeira vez
No solo da terra sonâmbula
O pequeno Edson da Luz
Estava matriculado na escola.
Aconteceu o milagre de Roma
Criei uma empresa sem sócio ministro
Investi num estúdio de música
O primeiro onde não houve censura estatal.
Aconteceu o milagre de Roma
O pequeno Edson de Namaacha
Já sabia ler e escrever
E poderia crescer em paz.
Depois das primeiras eleições
Quando atearam fogo ao meu estúdio
Edson estudava na quarta classe.
Talvez já conhecia o "ABC do Preconceito"
E foi por isso que ele começou a rimar e sonhar
Em ser no futuro um rapper popular
Num país com liberdade de expressão.
Pois o povo já mudou a canção:
"Agora que temos paz queremos democracia!"
Parecia mais fácil do que terminar a guerra
Os brancos já não enviarem armas
Para o moçambicano matar o moçambicano
Enviaram dinheiro para a democracia.
O comandante dos cortadores de orelhas
Também disse que quer democracia
E se a democracia não tiver pai
Ele irá adoptá-la.
Anos mais tarde, conheci o Edson
Escolheu o nome artístico Azagaia
Um jovem crítico e corajoso.
Gravámos juntos "O País é Nosso!"
A canção foi logo censurada
As autoridades encerraram o meu estúdio.
E músicos invejosos aplaudiram.
Produzi um vídeo da canção para o programa
Dos Direitos da Criança Academia de Sonhos
Fui chamado à Directora de Programas da TVM
Recebi a carta da suspensão imediata.
Procurei um advogado, fui à OAM,
Abri processos em Tribunais
Bati a porta dos Direitos Humanos
Organizações dos Direitos da Criança...
Fui difamado, ameaçado
Chamado burlador e pedófilo
Racista e colonialista...
Desisti de Moçambique.
2023
Na Alemanha soube da morte do Azagia a quem não pude dizer adeus. Já perdi as contas de quantos músicos com quem trabalhei em trinta anos em Moçambique morreram demasiado cedo.
Estranhamente, vejo políticos oportunistas, músicos e advogados apoiantes do sistema, cabritos nunca desamarrados, em frente das câmaras ou nas redes sociais a falar ou publicar:
Povo no Poder!
Povo no Poder!
Povo no Poder!
E eu penso: Sim, há muitos elefantes com riscas de zebra em Moçambique.
Descanse em Paz, amigo!